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Após 10 temporadas, estou me despedindo do seriado Smallville. Assisti a poucos minutos o episódio duplo que deu ponto final à saga que narrou a transformação do jovem Clark Kent no Superman. Apesar das críticas de fãs mais ortodoxos (que, diga-se de passagem, muitos deles não assistiram sequer a um episódio...), destaco os muitos méritos da série. Afinal, ela criou uma nova versão da história, mas com pleno respeito à mitologia do herói construída ao longo de 70 anos, com uma mensagem: nosso destino só é determinado por nossas escolhas.
Guardadas às muitas diferenças de tipos de público, linguagens, tempos de produção, orçamento e etc., é mais ou menos o que Christopher Nohlan fez para criar seus “Batman Begins” e “The Dark Knight”. E não foram os poucos momentos em que a série me fez torcer, vibrar com as citações, rir, ficar tenso ou emocionado, dentro do espírito criado pelo cineasta Richard Donner (que já falei
aqui e
aqui).
E os mais ortodoxos que sejam sinceros: há muito tempo a indústria dos quadrinho deixou de ser fiel ao seu público, desprezando anos de histórias, matando e ressucitando seus personagens de acordo com o humor de editores e executivos.
Outro êxito da produção foi reaproximar o Homem de Aço do público mais jovem, depois dos 19 anos longe do cinema. Inclusive, conheci a série através da minha irmã (7 anos mais nova), com a exibição dos episódios pelo SBT em 2001. Logo, fiquei instigado em acompanhar o desenrolar de uma história que conhecia muito bem o final. Criada e produzida pelos produtores Alfred Gough e Miles Millar, o seriado usou como principal referência o filme de 1978, recombinando seus principais elementos de ação, romance e a visão messiânica sobre o Homem de Aço.
O maior atrativo da série se encontra em seu ponto de partida: quem é Clark Kent. Eles deixam de lado a visão comum de que Clark é o Superman disfarçado de nerd atrapalhado, através dos óculos grossos e da maneira tímida de se vestir e se comportar. Na verdade, eles vêem Clark como um adolescente comum, que em meio aos conflitos, descobertas, paixões, decpções e inseguranças típicas desta fase da vida, se vê de repente como um extra-terrestre, com poderes especiais e que enfrenta uma longa jornada de provações e questionamentos e, principalmente, escolhe servir ao mundo como símbolo de esperança e luz.
E foi muito bom acompanhar todas estas fases: a descoberta de cada um dos poderes (menos voar...); a fundamental criação dada pelos pais Martha (Annette O’Toole) e Jonathan (John Schneider); a conturbada relação com o espírito do pai biológico Jor-El (voz de Terence Stamp); a primeira paixão, por Lana Lang (Kristin Kreuk), que começou secreta e se tornou um romance de muitas idas-e-vindas (por sete temporadas...); os momentos em que ele quase desistiu de tudo em nome de uma vida comum; quando as “aberrações do meteoro sumiram” para dar lugar a inimigos clássicos; as primeiras aparições do “Borrão” em Metrópolis, a escolha dos óculos...
Méritos também para o protagonista Tom Welling, que conseguiu encarnar perfeitamente todas as fases do personagem (lembrando Christopher Reeve em muitos momentos). A série se inicia com a chuva de meteoros provocada pela chegada de Kal-El à Terra, que originou a história dos principais personagens da série e inesgotáveis toneladas de Kryptonita. Outra premissa importante é a dualidade entre o herói e o vilão Lex Luthor.
A exemplo do arco “Crise nas Infinitas Terras”, publicada pelas HQs nos anos 1980, Clark e Lex são grandes amigos, mas que gradualmente acabam se afastando até se tornarem arqui-inimigos. Muito deste mérito se deve ao talento de Michael Rosenbaum, perfeito na transição do garoto com intensos conflitos morais e psicológicos para o vilão inescrupuloso que amamos odiar, em razão de ambição em ter a vida do amigo para si e, se sentindo impotente, toma a decisão de fazer tudo para destruí-la e se tornar o homem mais poderoso do mundo.
A série inseriu novos personagens na trajetória do kryptoniano, que acabaram sendo fundamentais para auxiliar o herói a cumprir sua missão. A principal delas é a melhor amiga Chloe Sullivan (Allison Mack), a adolescente curiosa, inicialmente apaixonada por Clark e repórter do “Mural do Esquisito”, que ao longo dos anos se tornou capaz de tudo para proteger os super-heróis, principalmente no papel de cérebro, olhos e ouvidos da Torre de Vigilância.
Em seguida, destaco Lionel Luthor (John Glover), que transitou várias vezes entre as funções de poderoso, imoral e inconsequente pai de Lex e, como contraponto, emissário de Jor-El e protetor de Clark na Terra, em especial depois da morte de Jonathan. Já outros personagens presentes apenas na vida de Superman, acabaram sendo transportados para Smallville, se tornando participantes da vida do jovem Clark. Sem dúvida, a maior delas é a eterna paixão pela destemida repórter Lois Lane (Erica Durance).
A diferença no caso é que o romance entre os dois já existia desde Smallville, sendo um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento da história (a exemplo do que Richard Donner e Bryan Singer fizeram nos cinemas). E justamente o casal é responsável por alguns dos melhores momentos de humor, romance e emoção dos episódios.
A partir da 6ª temporada, outro herói entrou para o elenco fixo do programa: o Arqueiro Verde, identidade secreta do bilionário e inconseqüente playboy Oliver Queen (Justin Hartley). Muito menos famoso, o Arqueiro é uma espécie de versão do Batman, mas bem humorado. E a exemplo do Cavaleiro das Trevas, ele serve no universo DC Comics como contraponto ao kryptoniano, por seu espírito anárquico e pelos conceitos bem pessoais sobre lei e justiça.
O seriado acrescentou novos elementos a Oliver, pois ele e o futuro Superman iniciam sua vida de combate ao crime de forma simultânea, atuando muitas vezes conjuntamente. E neste contexto, apesar de inevitáveis atritos, ambos se complementaram e são essenciais um para o outro: enquanto ele encorajava Clark a assumir seu papel de símbolo maior de justiça e esperança, o Homem de Aço funcionava como o guia para Oliver e se afastar da escuridão e ser um verdadeiro herói.
Aqui, o Arqueiro Verde ainda é o líder e organizador de um embrião da Liga da Justiça, que ainda não tinha este nome e usava a Torre de Vigilância como base. A Liga reuniu em participações especiais de alguns de seus membros, como Aquaman, Flash, Ciborgue, Canário Negro e Zattana, além de Gavião Negro, também integrante da Socidade da Justiça.
Outros personagens, também apareceram de vez em quando como protetores e conselheiros de Clark, casos do marciano John Jonz (Phil Morris), sua prima (e futura Supergirl) Kara-El (Laura Vandervoort) e dos grupos de heróis Sociedade da Justiça e Legião dos Super Heróis (participantes de episódios memoráveis).
Ao longo dos anos, Lex foi assumindo as funções de maior vilão, enquanto as aberrações do meteoro despareceram e alguns vilões clássicos foram aparecendo, como o alienígena Brainiac, na forma humana do professor Milton Fine (James Masters) e Bizarro, tentativa mal-sucedida de clone do herói. E é claro, altos e baixos aconteceram nestas 10 temporadas, em especial a terrível 4ª (esquecida em mais de 90%, apesar de apresentar alguns fatos decisivos).
Entretanto, questionei o futuro da série apenas após o fim da 7ª, com a saída dos criadores Cough e Millar e do antagonista Michael Rosenbaum. Mas para minha surpresa, Smallvile tomou novo fôlego com as perdas, o que rendeu três ótimas temporadas. As funções de Luthor foram incorporadas por sua então braço-direito Tess Mercer (Cassidy Freeman), que descobriu posteriormente ser sua irmã, mas, por escolha própria, abandonou a ausência de escrúpulos e limites dos Luthor e se uniu à Torre de Vigilância.
Com a ausência de Lex, foram criadas então justificativas coerentes no roteiro para trazer vilões exclusivos da fase adulta para combater o jovem Clark, casos do monstrengo alienígena Doomsday, disfarçado como o paramédico Daves Bloome (Sam Witer), o kryptoniano General Zood (Callum Blue) e a força interplanetária Darkside (a missão final que determinou o surgimento do Superman). Mas mesmo ausente fisicamente, Lex sempre esteve na história, seja por menções, experiências científicas e de engenharia genética. Algumas distorções cronológicas ainda foram distorcidas, como a idade e o conhecimento do segredo de Clark pelo fotógrafo Jimmy Olsen (Aaron Ashmore).
As dez temporadas ainda serviram à participação de muitos personagens da DC Comics e de atores ligados ao Superman, como Margot Kidder (a eterna Lois Lane), Terence Stamp (o Zod do filme se tornou a voz de Jor-El), e Terry Hatcher e Dean Cain (os protagonistas do seriado Lois & Clark).
Entretanto, o principal legado destas participações, sem dúvida, foi Christopher Reeve, em seu seu último trabalho, gravado alguns meses antes de ele falecer, em 2004. O intérprete definitivo do Superman participou de Smallville como o cientista Virgil Suan, personagem que ajudou Clark a entender melhor Krypton e que, posteriormente teve grande importância na compreensão da missão do Homem de Aço.
Os dois episódios finais, exibidos conjuntamente, sintetizaram toda a adrenalina, ação, romance e emoção da mitologia do Superman exibidas ao longo das dez temporas, inclusive com o retorno de muitos personagens (principalmente Lex). E mesmo sem o nome Superman ter sido mencionado uma única vez em dez temporadas, seu espírito sempre esteve presente: ser um símbolo de esperança na vida dos cidadãos comuns.