Ao contrário de muitos pseudo-intelectuais que gostam de discorrer sobre a alienação das massas e manutenção do status quo provocado pela Rede Globo por meio das telenovelas, sou assumidamente noveleiro. Sem contestação, é fato que a telenovela adquiriu características únicas aqui no Brasil e se tornou um dos principais produtos culturais de exportação do país, sendo inclusive alvo permanente de estudos por um núcleo da Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (ECA-USP).
Após esta introdução, falarei da nova versão de “O Astro”, encerrada na última sexta-feira (28) após quatro meses de exibição. Divulgada pela Globo como “novela das 23h” em um horário habitualmente destinado a mini-séries e especiais, a releitura da trama de Janete Clair foi escolhida para homenagear os 60 anos da teledramaturgia no Brasil, devido ao grande sucesso de sua 1ª versão, exibida entre 1977 e 1978.
E o desafio da equipe dos autores Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro e do diretor Mauro Mendonça Filho, em adaptar a história aos dias de hoje e condensar 186 capítulos em 64, foi concluído com êxito. De modo geral, “O Astro” tem todos os elementos de uma novela na acepção da palavra, com romance, heróis e vilões bem definidos, conflitos movidos por ambição e interesse, além de uma trama policial envolvente. Fora que, em razão do horário, foi possível criar sem muitas amarras do politicamente correto, sem poupar doses de nudez, violência e sexo.
Entretanto, é justamente em seu protagonista Herculano Quintanilha (Rodrigo Lombardi) que “O Astro” foge um pouco dos lugares comuns. Afinal, mesmo com seus dons mediúnicos, “O Bruxo" faz fama com shows de ilusionismo, assim como toma atitudes eticamente bastante questionáveis no mundo empresarial, na condição de braço-direito do mocinho Márcio Hayalla (Thiago Fragoso).
E ao contrário do que fez em outros remakes, quando procurou “esconder” imagens e menções à novela original, a estratégia desta vez foi lembrar desde o início a trama de Janete Clair. Protagonista da novela original, Francisco Cuoco teve um personagem criado especialmente para ele, Ferragus, guia espiritual que percebeu o dom de Herculano na cadeia e o escolheu como sucessor, e com quem conversava através do pensamento por toda a história.
Grande importância também para o romance entre Herculano e Amanda (Carolina Ferraz), em que ficava clara a forte ligação espiritual entre os personagens, com diálogos extremamente bem construídos e direito a muitas citações literárias. Aliás, as citações a clássicos da literatura e da filosofia também estavam presentes nos conflitos empresariais do Grupo Hayalla.
A família Hayalla é um caso aparte. Aliás, creio que chamá-la de família é uma afronta, pois desde o início fica explicito a ausência e amor e os atos movidos exclusivamente por dinheiro e poder. Com certeza, a escalação do elenco e o trabalho da direção foram extremamente feliz, casos do vilão-mor Samir Hayalla (Marco Ricca), auxiliado pelos irmãos Amin (Tato Gabus Mendes) e o abobalhado Yousef (José Rubens Chachá).
Justiça seja feita, outros personagens também foram brilhantemente interpretados, casos do hilário vilão Neco (Humberto Martins), o malandro / boa gente Natal (Antônio Calloni) – cuja sequência do assassinato e velório foi uma das mais belas que já vi na TV -, a dissimulada tia Magda (Rosamaria Murtinho), o honesto inspetor Eustáquio (Daniel Dantas), os engraçadíssimos cabeleireiros gays Cleiton (Frank Menseses) e Pablo (Pablo Sanábio), o enigmático mordomo Inácio (Paschoal da Conceição) e a batalhadora mocinha Lili (Alinne Moraes).
Vavléria foi um show de interpretação de Ellen Roche? Não. Mas sinceramente: alguém ainda queria que ela soubesse atuar?!? |
Aliás, o excelente desempenho do elenco evitou que possíveis pontos fracos destoassem do conjunto, caso do mau caráter Felipe Cerqueira (Henri Castelli que, mais uma vez, interpretou brilhantemente o papel de Henri Castelli!), amante de Clô Hayalla (Regina Duarte).
Agora, deixei o final para falar de Clô. Mais uma vez, numa das poucas oportunidades em que não interpretou heroínas com altas doses de bondade, a perua histérica conquistou lugar de honra na galeria de personagens de Regina Duarte. Destilando altas doses de veneno, interesse, ambigüidade e preconceito durante os capítulos, capaz de mudar de opinião de um extremo a outro em segundos, a escolha de Clô como a grande assassina do marido Salomão Hayalla (Daniel Filho) foi um justíssimo prêmio a atriz.
Aliás, gostei muito da saída achada pelos autores para mudar o desfecho da 1ª versão, quando o assassino foi Felipe Cerqueira. Por motivações diferentes, mas ambos cansados das humilhações impostas pelo patriarca da família, o mordomo Inácio e o irmão Youssef tentaram matar Salomão naquela noite, em que Clô obteve sucesso. E em mais uma demonstração de suas reações exageradas, a viúva confessou o crime e ironizou, sobre o que "a sociedade" pensaria, coerente com o fato da opinião alheia ser uma das suas maiores preocupações ao longo da história.
Aliás, gostei muito da saída achada pelos autores para mudar o desfecho da 1ª versão, quando o assassino foi Felipe Cerqueira. Por motivações diferentes, mas ambos cansados das humilhações impostas pelo patriarca da família, o mordomo Inácio e o irmão Youssef tentaram matar Salomão naquela noite, em que Clô obteve sucesso. E em mais uma demonstração de suas reações exageradas, a viúva confessou o crime e ironizou, sobre o que "a sociedade" pensaria, coerente com o fato da opinião alheia ser uma das suas maiores preocupações ao longo da história.
Acredito que outros elementos primorosos da novela foram a edição ágil (quase frenética) dos capítulos, aposta arriscada e bem sucedida, e, principlamente a escolha da trilha sonora, numa ótima combinação de músicas de diferentes épocas, como “Easy”, de Lionel Ritchie, tema do casal protagonista, “Quando o sol bater na janela do seu quarto”, da Legião Urbana (tema de Lili e Márcio), e uma versão em português de “Always on my mind”, cantada por Julio Iglesias (que exala o perfume de uma adorável cafonice!).
Claro, sem esquecer o tema de abertura “Bijouterias”, uma perfeita viagem na maionese de João Bosco e Aldir Blanc, criada para versão original da novela. Sim, a música não faz o menor sentido, mas é um chiclete que não sai da cabeça de jeito nenhum...
Sem dúvida, a novela teve erros, mas creio que os acertos foram muito maiores. E gostei, mas sim, achei questionável a cena do penúltimo capítulo, em que Herculano se transformou num pássaro para fugir. Mas sou da opinião: quer realidade? Vai assistir telejornal!
Caro vini;
ResponderExcluiré preciso ter coragem e muita cultura
pra dar sua opinião com tanta energia e clareza sobre temas tão diversos.
Parabéns pela sua contante busca por conceitos.
Que alegria poder dizer:"- Eu sou amigo dele desdo séc.XX."
Grande abraço.
Valeu Grande! Mais uma vez, obrigado pelo apoio! abraço
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